Como vou ser triste se esse ano eu...

Fogos colorindo explodindo contra um fundo preto e máscaras do teatro desenhadas em amarelo por cima dos fogos.

Assim como muita gente, tenho teto, mesa farta e cama macia para atravessar a existência com conforto. Tenho amigos, família, trabalho e dois pets que movimentam e alegram a casa e, vez ou outra, me resgatam da ameaça de uma letargia sorrateira. À primeira vista, então, reúno requisitos suficientes para participar da trend que invadiu as telinhas de celulares em dezembro. Como vou ser triste? 

O problema é que também tenho uma mente acelerada, que absorve e processa muito mais do que eu preciso para não ser triste. Tenho sentimentos que se atropelam dentro de mim buscando os holofotes da minha atenção e em sua louca corrida aceleram a ansiedade; condição patológica que, ao contrário das impermanentes trends, paira, onipresente, sobre um mundo que gira loucamente.

Recomeça o dia, a semana, o ano e as redes sociais mais concorridas focam em modos de vida positivos. Milhares de gurus ensinando on-line como atingir a melhor performance para ter o corpo perfeito, ganhar um milhão em três meses, fazer a make impecável, atingir o nirvana praticando mindfulness, o que por si pressupõe estar fora das redes sociais por um tempo longo o suficiente para nos conectar, de fato, com o presente e as pessoas à nossa volta. Um contrasenso, pra dizer o mínimo.

E se por (in)felicidade a atenção plena colocar você, eu ou quem quer que seja, diante da realidade é inevitável constatar que a tristeza é parte da existência e negá-la tanto assim é transformá-la num monstro invisível, mas aterrador. 

A realidade, nua e crua nos traz um samba de uma melodia só. Queima, explode, alaga, atropela, morre por bala perdida, invade o país vizinho, desrespeita o corpo alheio, envenena o bolo e as almas.

Como se calar, ignorar e ser feliz, simplesmente, diante de genocídios; pontes que caem por falta de reponsáveis; lixo tomando conta do planeta, o crime descontrolado pelas ruas e todos esses motivos errados que aceleram o coração?

Como agradecer pela cama macia e o prato de comida, sem saber se isso é sorte, merecimento ou mero acidente genético ou geográfico?

2025 meteu o pé na porta e entrou. Como sempre, nós lhe demos as boas vindas e desejamos que ele represente um período feliz para todos. Será que tem jeito? 

Mulher grisalha, de cabelos curtos, usando óculos de grau, armação preta
Maria D'Arc é jornalista


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